sábado, 12 de novembro de 2011

Rocksmith: por dentro do desenvolvimento do primeiro videogame que usa uma guitarra de verdade


O novo software interativo de treinamento da Ubisoft, Rocksmith, que permite plugar qualquer guitarra de verdade com um plugue p10 no PlayStation 3 ou Xbox 360, inova ao ensinar a chegar à maestria tocando instrumentos de verdade. Porém, conforme explicação diretor criativo Paul Cross, as origens dessa novidade improvável, lançada em uma época na qual os games musicais estão em baixa, e com a intenção de acabar com a crítica de que jogos rítmicos não promovem o desenvolvimento de habilidades do mundo real, são igualmente improváveis.


Volte no tempo até 2008 e Cross, que já tinha contribuído na popular série de corrida Burnout, e o também produtor Nao Higo, um colaborador no peculiar importado asiático No More Heroes 2, eram dois desconhecidos trabalhando para o escritório de São Francisco da Ubisoft. Passando a maior parte do tempo fora do país, no Japão, licenciando novos produtos e dizendo a outros desenvolvedores como fazer jogos, a dupla se sentia sufocada criativamente e sonhava em comandar o próprio estúdio original e seus produtos. Apesar de isso parecer uma fantasia para o duo ainda bastante anônimo, naquela época, na costa oeste, o destino estava conspirando a favor deles graças ao pouco conhecido fabricante de softwares GameTank.


Somente mais um desenvolvedor anônimo sedento por um acordo de publicação, a empresa se encontrou com os executivos da Ubisoft com a intenção de vender um protótipo de game musical bem único. Sentindo segurança, graças ao sucesso recente do Guitar Hero e do Rock Band, mas inspirada pela falta de autenticidade desses títulos, a companhia tinha criado o demo de uma tecnologia que reconhecia uma guitarra padrão, tinha partituras que acompanhavam a música na tela e permitia que os usuários tocassem músicas como na vida real. "Com todo respeito, quando o time apareceu com a ideia, pensamos “isso é bem legal... mas muito feio e meio tedioso’”, ri Cross, relembrando de quando viu o nascimento do Rocksmith pela primeiríssima vez. "Mas depois que esses caras foram embora, pensamos ‘ei, se conseguíssemos achar uma forma de fazer com que tocar músicas seja divertido por mais tempo, seria incrível”.


Ironicamente, o que nenhuma das duas partes sabia era que muitos dos executivos de alto escalão da Ubisoft, incluindo o presidente, Laurent Detoc, e o produtor executivo terceirizado Xavier Fouilleux, eram, por acaso, entusiastas enrustidos da guitarra. Mais do que isso, esses importantes tomadores de decisões compartilhavam da crença de que se os jogadores conseguiam aprender a usar aquele punhado de botões necessários para fazer gols em simuladores esportivos como FIFA Soccer, eles poderiam fazer o mesmo para aprender um instrumento. Intrigados tanto com o software, ainda em seu estágio inicial, e com o então crescente potencial do mercado de games musicais, mais tarde eles entraram em ação e compraram não só a tecnologia, mas toda a GameTank.


Em outubro de 2009, Cross e Higo, que andavam implorando a seus chefes para que deixassem com que eles montassem e dirigissem um novo estúdio, finalmente se viram na posição de receber uma oferta inesperada. Foi dado o sinal verde à dupla para fazer exatamente isso, contanto que dessem contam de comercializar a tecnologia. Só tinha um problema, como conta Cross, que confessa que esse título não era exatamente a oportunidade dos sonhos que ele e seu colega tinham em mente. "Conforme eu expliquei com todas as letras, nenhum de nós dois sabia tocar guitarra”, ele admite encabuladamente. "Mas é claro que não íamos dizer não – era um daqueles casos de pegar ou largar. Além disso, nossa filosofia geral é que é possível fazer um bom jogo partindo de qualquer coisa. Olhe só para os filmes e a forma como cineastas fazem com que as atividades mais mundanas pareçam interessantes."


Apoiando-se fortemente da expertise da equipe da GameTank, que incluía diversos músicos, eles ainda assim se empenharam com tudo na tarefa e se propuseram a alcançar um objetivo ambicioso – revolucionar todo o gênero de games musicais. "Naquela época, sabíamos que o clima da indústria estava mudando”, Cross explica. "A maior parte dos jogos eram requentados de títulos anteriores e eram simplesmente [versões do protótipo inicial do game de guitarra] GuitarFreaks ressuscitados com disfarces diferentes. Nós sabíamos que teríamos que fazer algo espetacular… O que decidimos foi nos dedicarmos ao problema fundamental de como é realmente difícil tocar guitarra de verdade.”


Com uma missão tendo sido declarada e definida e fogo proverbial queimando a retaguarda do então minúsculo e mal patrocinado time, o projeto logo encarou seu primeiro obstáculo. Em seis semanas, queriam que eles organizassem o blueprint para o produto em si, algo que ilustrasse que o conceito do game funcionaria, com o prazo final definido para 18 de dezembro de 2009. O desafio foi imediatamente aceito, apesar de o tempo ser consideravelmente curto para se conceber uma propriedade intelectual completamente nova, maquinar sua interface e transformar o projeto de rascunho primitivo em título provisório.


Atribuindo a sorte da equipe de conseguir superar a falta de horas dormidas a um foco bem restrito ("não tentamos enfiar features ou experimentar todo tipo de porcaria aleatória”), ele também cita a presença de músicos de verdade no time como algo vital para o sucesso dos protótipos iniciais. As contribuições dos artistas incluíram a definição de fatores importantes, que se tornariam elementares, por exemplo, a dinâmica do grau de dificuldade, que analisa a habilidade do jogar para oferecer desafios de acordo com a forma como a fase trabalha cada estrofe e que considera a meneira como as habilidades da vida real são desenvolvidas. Músicas que eram usadas nas experiências, como "Smoke on the Water" e "In Bloom" (que estão entre as favoritas de Cross) pareciam apenas confirmar a crença do time de que conceitos vitais de gameplay poderiam funcionar bem, quando implementados. Ainda assim, Cross admite que havia uma falha essencial nessa versão inicial: "naquela altura, tínhamos um artista. Era muito, muito feio”.


Ainda assim, dinâmicas básicas do jogo se provaram rapidamente e os chefões corporativos da Ubisoft ficaram devidamente impressionados. "Meu chefe nunca tinha tocado guitarra antes" diz Cross, lembrando da apresentação em questão, na qual ele diz que as coisas logo deram uma guinada positiva. "Nós o deixamos com o game por uma hora, tocando ‘In Bloom’, e quando voltamos ele tinha feito 94 mil pontos… o que significa que ele acertou 94% dos acordes principais da música. Então, com o jogo desligado, ele tocou o riff principal. Nem precisa dizer que a reação na sala foi de “puta merda, isso funciona mesmo!’. Naquele momento nós basicamente tivemos nosso momento ‘vai dar tudo certo’".


Mas naquela época, ninguém poderia ter previsto os desafios sísmicos que logo balançariam o mundo dos videogames. Em 2009, o mercado de games musicais estava ocupado afundado com uma queda de 46% nas vendas, em relação ao ano anterior, deixando a indústria amplamente fria em relação a lançamentos de natureza acústica, incluindo até os títulos inéditos mais inovadores. Da mesma forma, as vendas de games estavam começando a cair no exterior.


Ainda bem, diz Cross, que a gerência comprou cedo a ideia de que o game deveria ser interessante a uma audiência mais ampla, tendo apelo a uma massa duradoura de entusiastas dedicados e pessoas que atuaram na música a vida toda. "Como uma representação pura de música, eu disse a eles que não era provável que a gente conseguisse números monstruosos” Cross confessa. "Pense nele como um Forza Motorsport para guitarras." Felizmente, a maior parte das decisões foi tomada antes da chegada do Rock Band 3 e do Guitar Hero: Warriors of Rock, vistos como decepções comerciais e que foram uma virada negativa para cada uma dessas franquias. "Naquela época, não era com as vendas que estávamos preocupados", ele revela. "Estávamos mais era cagando de medo que alguém lançasse um produto com um conceito semelhante antes da gente.”


Dado o ok para que eles seguissem em frente, Cross, Higo e companhia logo aceleraram o processo e aumentaram o time para mais ou menos duas dúzias de pessoas, uma pequena fração do tamanho da equipe geralmente devotada aos títulos do varejo, hoje em dia. Com a ajuda de funcionários em Xangai e Los Angeles, mais de 70 pessoas acabariam tocando e ajudando a formatar o jogo ao longo do ano e meio que se seguiu. Mas mais difícil do que as intermináveis semanas com uma jornada de trabalho que durava entre 12 e 15 horas ("não pude nem tirar licença-paternidade”, Cross lamenta) eram a necessidade de rapidamente assegurar todos os acordos de direitos de trilha sonora e a apatia imprevista dos executivos da música.


"Ao longo de 2010, a gente toda hora se via em reuniões com algum figurão da indústria fonográfica que olhava torto para a gente enquanto se ocupava de mexer em seus BlackBerries", ele reclama, confessando que o título, inicialmente, foi complicado de vender. "Naquela época, as vendas de games musicais estavam minguando e o ramo estava ficando [saturado de desenvolvedores] oferecendo novos jogos e conceitos … dava para ver que eles já tinham ouvido de tudo antes. Mas no segundo que a gente tirava uma guitarra de verdade do case, havia uma mudança repentina de atitude que era impressionante. Os BlackBerries acabavam sempre indo parar de volta na mesa e os agentes iam de ‘eu não ligo’ para ‘quando posso comprar um desses?'".


Escolher a música para o game também não foi uma tarefa simples, já que o time precisava não só ter um setlist coerente, mas também um bom equilíbrio entre as faixas novas e as de fácil reconhecimento, nível iniciante e composições desafiadoras. Cross afirma que, pessoalmente, ouviu mais de 10 mil músicas como pesquisa, descrevendo seu acervo no Zune como "astronômico", dizendo que ele pulou de 8 mil para mais de 38 mil faixas em um período de tempo relativamente curto. Além disso, o que não ajudou nada era o fato de que tinham artistas que já tinham assinado anteriormente acordos de exclusividade, ficando queimados por causa de chatices interativas como Power Gig: Rise of the Six String. Ou, em um caso, o fato de que chegaram a ser exigidos US$ 4 milhões por uma única faixa.


Porém, finalmente, o time conseguiu reunir um repertório relativamente variado, com música de gente como Rolling Stones, White Stripes, Soundgarden, Radiohead e Silversun Pickups. Mas bem quando a luz parecia estar começando a dar as caras no fim do túnel, um desastre os abateu: foi quando as vendas de videogames afundaram junto à economia, em 2010. A Ubisoft, que tinha perdido dinheiro somente uma vez antes disso, em décadas de história, tinha começado a cortar projetos. E Cross temia que o Rocksmith, por causa de seu conceito único e pertencimento a um nicho complicado, estivesse destinado ao bloco dos cortes.


"Na [feira anual da indústria] E3, [o fundador e CEO da empresa] Yves Guillemot pediu para experimentar o jogo”, Cross diz. "Estávamos sentindo que ele tinha vindo para cancelar tudo." Suando um monte, a equipe fez o seu melhor para demonstrar o produto, mas ficou chateada, conforme era de se esperar, quando Guillemot foi chamado repentinamente no meio da reunião para resolver um problema urgente. Por sorte, o notável empresário francês aparentemente gostou do que viu. De acordo com Cross, acabou que o projeto estava mesmo destinado à morte, mas sua performance breve e esclarecedora o salvou de um falecimento prematuro. Literalmente chorando quando reconta a história, o aliviado desenvolvedor diz simplesmente “aquele foi um momento lindo”.


Dali para a frente, tinha chegado mesmo a hora de correr, pois se aproximava cada vez mais o momento do lançamento do game, que acabou marcado para 18 de outubro de 2011. Depois de ter testado entre 50 e 100 guitarras para iniciantes antes de escolher a Epiphone Les Paul Junior para o pacote opcional (US$ 199,99), tudo parece ter, finalmente, dado certo para o título, cujo sucesso ou fracasso, agora, está mesmo na mão dos jogadores. Mais do que isso, talvez, já que sua principal feature (a capacidade de ensinar aos participantes habilidades musicais do mundo real, e no ritmo deles), apesar de ser impressionante, bate de frente com os líderes da categoria, que favorecem o escapismo puro.


Com o preço de US$ 79,99 no varejo, valor que inclui um cabo de conector (US$ 20 a mais do que um game típico feito para console) e sendo lançado em um mercado instável, o Rocksmith não só é um bom material para um estudo de caso interessante. Ele também chega em um momento fundamental para os games musicais, que estão cada vez mais se tornando sociais, digitais e indo para a internet. Ainda assim, Cross acredita que o lançamento interativo não se transformará em um grande fracasso ou se dar bem somente como um sucesso temporário, que não dura como franquia. Ao contrário, se manterá um título de vendas previsíveis e constantes para gerações de aspirantes a artistas com ânsia de tocar por vários anos.


"Com tantas guitarras sendo vendidas a cada ano ou que estão largadas no armário das pessoas, juntando pó, todas as pesquisas sugerem que vamos ser bem-sucedidos”, ele ri. "Custando mais ou menos o mesmo preço de uma ou duas aulas, te damos tudo o que você precisa para aprender o básico. Além disso, tocar guitarra é uma atividade que está muito bem estabelecida já... ainda seremos tão relevantes no ano que vem quanto somos agora. Mas, por outro lado, também não esperamos nos equiparar aos números de Avatar no primeiro fim de semana.”


Com sucesso ou fracasso, um experimento fascinante no processo de tornar a música mais mainstream.Os analistas da indústria estão aguardando com a respiração presa para ver se esse é o futuro do aprendizado pró-ativo ou o último suspiro de um gênero supostamente moribundo.


rollingstone.com.br

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