sexta-feira, 16 de setembro de 2011

 Nóis qui faz
Fazendo da arte uma visão para todos.
 
Uma união de quatro cabeças [Valdir Rodrigo, Renato Sefo, Gustavo Vieira e Atila Santos] leva a arte do meio urbano ao público em geral, para não ter que ficar esperando o público ir até a arte.

A intenção do projeto Nóis qui faz é dar a novos artistas a possibilidade de sair de seus ateliês e realmente mostrar a arte diretamente na rua. O quarteto Nóis qui faz surgiu de um encontro sem pretensão em um bar em 2010, onde uma tela foi pintada em quatro mãos em meio ao público do local. O primeiro trabalho sério desse grupo em um muro de 35 metros, durante duas semanas de sol e chuva e intensas pinceladas. As principais influências e características desenvolvidas pelo grupo vêm desde a arte primitiva até o pop vanguardista.
Hoje em dia, a grande dificuldade enfrentada por eles são os compromissos individuais, que, por muitas vezes, põem seus trabalhos de lado por falta de tempo para produzir. Além da questão financeira, que ainda é um grande empecilho para a exposição de suas telas. Segundo o grupo, a arte em Taubaté ainda está formatada e muito segmentada pelo fato de muitos artistas estarem escondidos em seus ateliês, e não nas ruas, onde o olhar de quem passa pode contemplar a arte.

Perguntamos para o grupo Nóis qui faz quais seriam os caminhos para uma sociedade mais crítica, vista de fora desse trabalho de intervenção por meio da arte, e a resposta foi unânime: “Seria a mudança das políticas pública, que possam investir em cultura, envolvendo um trabalho mais crítico de poder questionar e buscar o lado da paz, que não possa prejudicar ninguém”, afirma o grupo.

 
Para que esse trabalho seja visto, o grupo Nós qui faz se denomina como arte urbana, sempre ousando com a criatividade de produzir e refletir suas manifestações artísticas em meio ao pequeno caos urbano caipira que ainda é Taubaté.

Por Emilio Millo

quarta-feira, 14 de setembro de 2011


Ferreira Gullar, o último dos grandes
O poeta abriu sua casa para uma conversa sobre sua vida e seu trabalho.
Os artistas plásticos que se cuidem.


Sobre Ferreira Gullar, Vinicius de Moraes disse um dia que se tratava do “último grande poeta brasileiro”. Se, na época, ele não era exatamente o último, hoje não são poucos os que o consideram o maior poeta vivo do país. O maranhense, com sessenta anos de carreira sólida, atravessou ativamente todos os episódios importantes da moderna poesia brasileira. Aos oitenta anos de idade, José Ribamar Ferreira (o Gullar foi uma adaptação do Goulart, de sua mãe) leva uma vida ativa, mas escreve cada vez menos. Faz ginástica e acompanha esportes pela TV. Não tem lido nada novo e diz que a literatura contemporânea não prende sua atenção. “Eu confesso que eu mais releio do que leio. E releio menos do que relia”.

Gullar também é dramaturgo, crítico de arte e ficcionista. Recentemente, a editora José Olympio publicou sua obra completa. Juntas, suas poesias não somam 600 páginas, o que daria dez páginas de produção anual. O poeta se justifica: “Sempre escrevi pouco. Eu não fico forçando a barra, só faço quando é necessário. Não vou fazer poesia ruim como alguns poetas que envelheceram fizeram. Por mim tanto faz, se eu parar de escrever, eu parei, ué. Escrever uma coisa de qualidade inferior só pra dizer que eu continuo escrevendo, não. Meu último poema do meu último livro [Abduzido, de “Em alguma parte alguma”] foi escrito em novembro de 2009. Nunca mais escrevi nada. A minha poesia nasce do espanto, da descoberta, de algo inesperado. Mas depois nada me espantou mais, naturalmente”.

Existe uma certa contradição nos ofícios de Ferreira Gullar. Poeticamente, ele sempre buscou a inovação. Basta imaginar que seu primeiro livro, “Um pouco acima do chão”, hoje renegado pelo poeta, foi feito em versos alexandrinos, com fortíssimo sotaque parnasiano. “Eu chegava a falar em decassílabo”, diz. Depois, com a leitura de poetas modernistas, descobriu o verso livre, sem métrica nenhuma, e entendeu que precisava recomeçar. “Eu tinha realizado uma série de experiências artísticas. Ajudei a criar a poesia concreta, aí rompi com o movimento e o nosso grupo criou o movimento neoconcreto, aí eu fiz poemas espacias, fiz uma porção de coisas que se esgotaram. Chegou num ponto que eu perdi o interesse de continuar fazendo aquilo. Não é que eu reprovasse o que eu fiz, mas não tinha mais vontade de continuar”. Por outro lado, como crítico de arte, Ferreira desaprova muitas vanguardas da atualidade. “Veja bem, sem ter a intenção de negar o que eles fazem, eu só digo que aquilo não é arte. É expressão, mas não é arte. Artes plásticas é uma coisa que, das cavernas até o começo do século vinte, era uma coisa com características definidas. Tanto uma escultura grega do século 4 a.C. quanto um quadro cubista tinham, entre todas as diferenças, características  comuns. Agora, você pega e bota larva de mosca exposta, não tem nada que ver com isso. Pode ser o que for, mas não tem linguagem”.

Ainda a respeito das artes plásticas, Gullar diz que muita coisa boa continua sendo produzida, mas segue espinafrando as vanguardas: “Eles seguem, na verdade, a expressão de Marcel Duchamp que diz ‘tudo que eu disser que é arte, é arte’. Começou lá com o urinol. Então, o que isso significa? Que não é preciso saber fazer, que não é preciso ter características estéticas. Arte implica em saber fazer, em dominar linguagem e inventar significados”. Serve como base de seus argumentos uma exposição recente na Casa França-Brasil, em que lençóis usados por hospitais e motéis do Rio de Janeiro eram pendurados em telas: “Aí tem um texto dizendo ‘o artista distribuiu e depois recolheu esses lençóis’. E daí? E isso é arte? “A noite estrelada” de Van Gogh, você não precisa saber de nada. Você ouve a 5ª de Beethoven, você precisa saber de alguma coisa? Tem que ter um texto do lado do disco do Villa-Lobos?”

Mas ele reconhece que a vanguarda não é negativa. Ela amplia os horizontes, assimila coisas novas e enriquece a produção artística posterior. Mas o único campo em que isso persiste é nas artes plásticas, diz. Para ele, uma possível explicação é que está na moda ser rebelde: “Por que o MoMa [Museum of Modern art] expõe uma série de casais nus? ‘Pra constranger as pessoas’, eles dizem. E a finalidade da arte é essa? Nu, no museu, eu prefiro Davi do Michelangelo, que não me constrange, que me vislumbra. O MoMa é instituição, recebe seu dinheiro, mas ao mesmo tempo ele quer ser rebelde. Instituição e rebelde são duas coisas que não combinam. Se tá instituído, não é rebelde, nego! O museu, então, virou o único lugar onde a não-arte vira a arte”.

Questionado sobre um balanço de sua vida, Ferreira Gullar não pesa nada: “A minha vida é um improviso. Eu não planejo nada. O acaso é um fator decisivo na criação, e na vida. Eu costumo dizer que a relação é acaso-necessidade. Quando você começa a escrever, você tem uma página em branco. Você não sabe o que você vai escrever. Você só tem uma vontade de fazer. Com a página em branco, tudo é possível, a probabilidade é infinita.

Quando você escreve a primeira palavra, você reduz a probabilidade. Ela começa a definir algo, e o acaso é menor. Então a segunda palavra é determinada pela primeira. E aquilo que não era nada começa a nascer e a se tornar necessário à medida em que você vai fazendo. É assim que as coisas são feitas. A vida é inventada, a literatura é inventada, nada é fatal, determinado. Não tem ninguém que tá dirigindo nada, nem destino predeterminando”. E acrescenta: “Nós fazemos a vida dentro das nossas limitações e possibilidades, não é?” Em seguida, diante de seu entrevistador perplexo, o poeta dá o ponto final da conversa com uma risada de quem entende das coisas: “Já tá bom pra você?”.

Por Guilherme Tauil

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Lineu Bravo, o luthier que faz violão de ouvido
Chico Buarque, Guinga, Ana Carolina, Elba Ramalho, Yamandu Costa e Hamilton de Holanda têm mais em comum do que o fato de serem músicos: todos eles possuem um violão de Lineu Bravo, luthier de Sorocaba que vive há mais de três anos em Taubaté.
 
Filho de marceneiro, Lineu Bravo desde criança brincava com as sobras do trabalho do pai. Fazia raquete de ping-pong, caixinhas, tabuleiro de damas. Ainda na infância, Lineu conheceu a outra metade de sua profissão: a música. Seu pai tocava cavaquinho, o que acabou influenciando o filho. Sem dinheiro para comprar um bom instrumento, Lineu mexia nos próprios, fazia modificações, trocava peças. Seu primeiro instrumento foi feito aos catorze anos, mas a luteria era, apenas um hobbie.

Somente aos trinta e seis anos de idade é que Lineu decidiu viver exclusivamente da construção de instrumentos de corda. Em 2001, numa roda de choro, um amigo lhe emprestou um violão, sem imaginar que proporção aquilo iria tomar. Fascinado pelo instrumento, Lineu começou a estudá-lo e acabou fazendo, mais tarde, seu primeiro violão. Tinha início uma carreira que ainda parece estar longe do fim.

O deslanche da carreira do luthier começou um pouco por acaso. Através de Zé Barbeiro, com quem chegou a montar um trio de choro, Lineu conheceu Alessandro Penezzi, que encomendou um violão. Tempo depois, Belo Horizonte foi palco do evento Violões do Brasil, que reuniu a nata da música instrumental em uma apresentação. Antes do show, por acaso, Lineu foi visitar Penezzi e Zé Barbeiro no hotel em que estavam hospedados. De brinde, acabou conhecendo o catálogo inteiro do violão brasileiro: Guinga, Maurício Carrilho, Lula Galvão, Toninho Horta, João Lyra, Paulo Bellinati e outros músicos, também ali hospedados. Aprovado por unanimidade, Lineu saiu de lá com uma porção de encomendas.

 
Daí a informação correu e, de violão em violão, formou-se a clientela de Lineu Bravo. Como aconteceu com o jovem violonista Marcus Tardelli, por exemplo. Tardelli estava para começar as gravações de seu disco, o “Unha & Carne”, quando Guinga lhe mostrou um violão de Lineu. Resultado: onze das catorze faixas foram gravadas com ele. As outras três ficaram a cargo de um violão espanhol, com o qual Tardelli vinha se familiarizando há mais de vinte dias especialmente para a gravação do disco.

Lineu trabalha sozinho, em silêncio, sem música de fundo. Faz, em média, trinta instrumentos por ano. Leva uns sessenta dias para terminar um violão, mas despacha dois por mês. Isso porque trabalha em mais de um ao mesmo tempo, em estágios diferentes de construção. Não faz nada em série, não tem estoque – é tudo sob encomenda. Pode ser visto andando pelas ruas da cidade ou tomando um café nos intervalos de seu trabalho. Mas se você quiser ouvi-lo basta procurar um disco do Guinga ou um clipe do Chico Buarque – porque quem realmente entende, garante que o produto é bom.

Por Guilherme Tauil