terça-feira, 15 de novembro de 2011

Figueiredo merece o Portugal Telecom. Já seu livro…
 O romance “Passageiro do fim do dia”, do escritor carioca Rubens Figueiredo, ganhou ontem o Portugal Telecom. 


Prêmios, prêmios… O romance “Passageiro do fim do dia”, do escritor carioca Rubens Figueiredo, ganhou ontem o Portugal Telecom. Já tinha levado o prêmio São Paulo também. Isso faz dele, acima de qualquer dúvida, o livro de ficção do ano no país, certo? Bem, dificilmente.


Figueiredo, 55 anos, é um escritor de verdade, além de renomado tradutor. Trabalha com seriedade, sem pressa, é discretíssimo e avesso a marquetagens. Um ótimo sujeito. Os prêmios, portanto, estão em boas mãos. Mas fazem mais sentido pelo conjunto da obra do que por seu último romance.


“Passageiro do fim do dia” (Companhia das Letras, 200 páginas, R$ 40,00) é, convém deixar claro, um livro digno. Em certo sentido pode ser chamado de tour de force: sua “ação” presente se comprime no trajeto de um ônibus urbano, fim de tarde de sexta-feira, entre o centro de uma metrópole e um bairro suburbano. Tudo se passa entre os escassos acontecimentos exteriores e os pensamentos de Pedro, o protagonista, um comerciante de livros usados.


A maior virtude do romance é a sobriedade honesta que se manifesta tanto no realismo seco das situações quanto na prosa clara, contida, sintaticamente irretocável. Figueiredo nunca joga para a arquibancada, concentra-se na partida, o que é uma qualidade. Percebe-se que está em busca de captar algo de verdadeiro e sutil que se oculta no mundo lá fora, no emaranhado de dores sem voz que compõe uma cidade, e não no texto aqui dentro. Trata-se de uma tomada de posição estética até ousada num momento em que certos expoentes da crítica abusam do argumento da “crise da representação”.


Ocorre que a sobriedade acaba por dar à narrativa um tom curiosamente antiquado e, nos momentos menos felizes, arrastado. O narrador, de certa forma pré-flaubertiano, explora com timidez os recursos do discurso indireto livre. Embora jamais deixe o ponto de vista do protagonista, amarra o texto do início ao fim com uma grande quantidade de marcações duras: Pedro sabia, Pedro ignorava, Pedro pensou, Pedro começava a desconfiar. A linguagem se recusa a alçar voo não apenas em direção a si mesma, mas também em direção à subjetividade que busca plasmar:


E pronto: ali estava um bom exemplo do que acontecia tantas vezes com Pedro. Ele sabia disso. De devaneio em devaneio, de desvio em desvio, seus pensamentos se precipitavam para longe.


Se o tom, num escritor com a experiência de Figueiredo, só pode ser considerado intencional, dificilmente será intencional o efeito de timidez artística que, para lá da sobriedade, provoca essa narração com o freio de mão puxado ao tentar conduzir uma jornada de autoconhecimento do protagonista.


Prêmios são só prêmios, claro. Mas rendem notícias, atraem novos leitores e têm o potencial de agitar um pouco o ambiente. Considerado o mais importante do país, o Portugal Telecom ainda não cumpriu sua promessa de relevância e continua a dever à cultura brasileira escolhas que façam avançar um pouco mais a conversa literária.


veja.abril.com.br

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