sábado, 20 de agosto de 2011

O Presidente Delegado
O eterno mestre-sala, o bailarino Delegado da Mangueira, 89 anos, foi eleito o presidente de honra da escola. Durante homenagem ao compositor Nelson Sargento, que completava 87 anos, o presidente Ivo Meirelles deu a notícia que pegou o velho sambista de surpresa.
 
Hégio Laurindo da Silva, o Delegado, mestre-sala da Mangueira, completou 89 anos. Ele nasceu na Mangueira em 29 de dezembro de 1921, cresceu no morro e começou a frequentar o samba no colo da mãe, aos três anos de idade. Ainda menino, integrou o bloco Unidos da Mangueira. Aos 17 anos começou a desfilar como mestre-sala, arte que aprendeu vendo Marcelino, um dos fundadores da atividade, que desfilava como baliza do Bloco dos Arengueiros, precursor da verde e rosa. Mas seu ídolo foi Jorge Rasgado, mestre-sala dos primórdios da escola. Por 36 anos Delegado tirou a nota máxima no desfile, ao lado das porta-bandeiras Nininha, Neide e Mocinha, contribuindo decisivamente para a conquista de vários dos 18 títulos da verde e rosa. “Comecei no samba aos sete anos e estou aí, com a mesma paixão”, diz o octogenário artista. Filho de um operário pé-de-valsa frequentador de gafieira, o rapaz esguio e elegante era um conquistador, “prendia” as moças com seus volteios, o que lhe valeu o apelido que o consagrou. Dono de uma elegância natural, ele fixou a dança do mestre-sala, servindo de parâmetro para gerações de dançarinos das escolas do Brasil todo. Em 2007, sua elegância serviu de inspiração à coleção da grife de moda Chiaro, que o levou da passarela do samba à passarela da moda, onde o menino da Mangueira não fez feio.

Delegado sempre soube da importância do bailado para o bom exercício da função. O mestre-sala e a porta-bandeira são os únicos integrantes do cortejo que não sambam, bailam. Isso o levou a estudar balé com a campista Mercedes Batista, a primeira bailarina negra a integrar – em 1947 – o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio. Foram vários anos de um estudo que aprimorou seus passos, fazendo dele o fenômeno que encanta público, crítica, colegas e experts no assunto. “Aproveitei os ensinamentos de balé de Mercedes Batista para ter noção de coreografia. Um mestre sala precisa de muita habilidade corporal. Essa garotada deveria saber disso. Se bobear, ainda dou uma surra neles”, brinca. O mestre-sala faz par com a porta-bandeira, mas nem sempre foi assim. No começo, o pavilhão era um estandarte, que blocos e cordões ostentavam como símbolo da agremiação. Os desfiles eram desorganizados, livres, nas ruas da cidade, e o encontro de agrupamentos rivais muitas vezes descambava para a pancadaria. O estandarte passava a ser um troféu de guerra cobiçado, quando não um simples alvo da ira dos atacantes. Para proteger o pavilhão, havia o baliza. Ele vinha com seu bastão, saracoteando em volta da porta-estandarte, escoltando-a. Com o passar do tempo e o surgimento das escolas de samba, o estandarte cedeu lugar à bandeira e o bastão do baliza ganhou substitutos variados. Dos delicados e mais frequentes leques e lenços até a exagerada espada, esta pouco usada (um dos mais notórios mestres-salas espadachins foi Nahum, da X-9 de Santos). Alguns mestres-salas conservaram o bastão, outros chegaram a dançar empunhando uma flor. De guarda-costas, ele se tornou par da porta-bandeira. Viraram casal, com igual importância no desfile. Unidos na alegria e na tristeza. Delegado conta histórias em que sua experiência e sangue frio livrou a escola de desastres que comprometeriam o resultado do desfie, como o caso em que a peruca da porta-bandeira caiu e ele, com um volteio e grande elasticidade recolheu a peça com a boca, erguendo-se com a elegância possível em tal situação, para recolocá-la na cabeça da parceira. A nota 10 estava salva.

Delegado não se limitou à dança. Na escola de seu coração, dirigiu a bateria, a harmonia e foi ritmista, tocando o famoso surdo sem resposta da escola. Hoje, ele ainda ensina o bailado aos jovens da Mangueira do Amanhã e dá suas palas na Escola de Mestres-salas, Porta-bandeiras e Porta Estandartes de Mestre Dionísio. E é diretor de Harmonia, além de integrar a Velha Guarda da escola. Numa incursão pelo Carnaval paulistano, foi diretor de Harmonia e Mestre-sala da Camisa Verde e Branco, sem deixar de sair um ano sequer na Mangueira. No Carnaval de 1978, foi vice-campeão nas duas escolas ao mesmo tempo. Ainda com relação ao samba da terra da garoa, foi inspirador e professor de Manézinho, da Unidos do Peruche (e depois da Rosas de Ouro e da Camisa Verde e Branco), o melhor mestre-sala cidade. Eclético, o vascaíno Delegado chegou a bater uma bolinha, tendo atuado como centro-avante do time da Cerâmica Brasileira, posição na qual chegou a treinar no Fluminense. Delegado encantou as platéias até o Carnaval carioca até 1984, o primeiro do Sambódromo, a partir do qual deixou a dança para assumir a direção de Harmonia. Naquele ano, com “Yes, nós temos Braguinha”, samba de Jurandir, Hélio Turco, Comprido, Arroz e Jajá, a escola venceu o supercampeonato. Em 1998 ele recebeu a Medalha do Mérito Pedro Ernesto, da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Delegado nasceu no Santo Antonio, no complexo da Mangueira, e ainda hoje vive no pedaço do morro conhecido como Olaria, numa casa pintada nas cores da escola. O verde e rosa escolhido por Cartola para colorir o pavilhão da “maior escola do universo”, cuja quadra, o Palácio do Samba, fica a um quarteirão de sua porta. O Poeta, jornalista, escritor e produtor cultural Sérgio Gramático Jr. prepara uma biografia do sambista.

Fonte: revistamusicabrasileira.com.br

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