sábado, 16 de julho de 2011

Barulhento Silêncio 
Coluna Shuffle | www.amusicoteca.com.br

Nos últimos tempos, ando ouvindo muito o silêncio. Há duas semanas, quando caminhava pelo centro da cidade de São Paulo, a cada igreja que via, entrava. Os barulhos da rua e da calçada ficavam atrás das pesadas portas e eu mergulhava naquele silêncio que só as igrejas têm. O eco da ausência de som, que a cada passo se estremece, é encantador. Parece que ali ouvimos tudo o que não queremos ouvir, que deixamos de lado, que preferimos deixar encobertos pelos sons do cotidiano. Mas, ao sair dali, todos os sons que as cidades emitem voltavam, só que, desta vez, diferentes: era como se eles tivessem novas formas.

Há um famoso conceito na arte conhecido como  chiaroscuro, que consiste basicamente no contrate entre o claro e o escuro, luz e sombra. Essa técnica foi usada na pintura renascentista e depois revisitava muitas vezes. O chiaroscuro, porém, não é um conceito que começou na arte. O Yin-Yung (aquela famosa esfera que tem um lado preto e o outro branco) traz essa dualidade em seu próprio símbolo: ambas forças precisam existir para haver o equilíbrio e elas se complementarem. Na música isso não é diferente. “Não existiria som se não houvesse o silêncio”, canta Milton Nascimento em  Certas Coisas, composta por Lulu Santos e Nelson Motta (vale muito a pena ouvir também a própria versão de  Lulu Santos que é muito boa e a maravilhosa versão de  Zélia Duncan e Lenine).

Ao entrar nas igrejas eu estava dando aos meus ouvidos algo que eles raramente têm atualmente: tranquilidade. Somos bombardeados o tempo todo com sons e nos auto-alvejamos com música. Vivemos com esses fones de ouvidos que, literalmente, entram em nosso corpo. Se o tiramos e desligamos o som, temos todos os sons que nos envolvem. Som, som e mais som. Vivemos imersos em um imenso barulho que não tem fim. Raramente nos permitimos o silêncio. Isso tudo nos causa uma náusea acústica.

Ouvimos tantas coisas e por tanto tempo que às vezes esquecemos de prestar atenção em pequenos detalhes das canções. A música e todos os sons que nos rodeiam passaram a ter o mísero papel de trilha sonora. É como se tivéssemos em um filme, em que a música é apenas plano de fundo. Estamos pouco nos importando com a letra ou com as melodias. O recado que a canções querem passar, passam desapercebidos. Ao ouvir o silêncio, o contraste nos traz esses sons desprezados. Será que não está na hora de ouvirmos mais o silêncio? Talvez estejamos deixando passar desapercebidas incríveis obras de arte pelos nossos ouvidos.

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